Wednesday, November 28, 2007

rascunhos




Aquele conforto

Saiu de casa, após horas a fio entre folhas soltas, beatas de cigarros, incensos queimados, música deprimente e um corte de cabelo novo.
A noite já ía longa, e só o vento e barulhos de carros em movimento bem longe da estrada, importunavam a fria, mas bonita noite.
Comprou uma cerveja e sentou-se num banco de jardim a fumar mais um cigarro. Ficou ali longos minutos até se começar a sentir incomodada pelo frio.
Ir para casa não era uma hipótese.
Pegou no telefone e enviou-lhe uma mensagem.
Chegou ao lar de um conhecido estranho onde foi recebida com um olá tímido, um beijo na face, e uma caneca de chá quente.
Sentaram-se no sofá a ouvir uma música calma, completamente nova para ela.
Ele embrulhou-a num cobertor e acariciou-lhe o cabelo até ela adormecer.


Era tudo o que ela queria.







O conforto do não-conhecimento da realidade

Ela adormeceu.
Levantou-se lentamente do sofá, aconchegando-a mais um pouco. Olhou para ela como se fosse um anjo ali perdido.
Suspirou profundamente, e foi para o seu quarto...
...onde ficou horas a fio, entre folhas soltas e beatas de cigarros, incensos queimados, música deprimente, e uma fotografia rasgada.

Sunday, November 18, 2007

odeio-te


Odeio-te.
Odeio o teu cheiro que se entranha nas minhas narinas e não desaparece facilmente, tornando-se incómodo.
Odeio o teu espreguiçar, principalmente quando rasgas um sorriso tímido.
Odeio os teus olhos semi-cerrados em tom de sedutor.
Odeio a maneira como passas a mão pelo teu cabelo.
Odeio a tua voz cheia de ritmo e meio profunda.
Odeio os teus olhos penetrantes e as tuas longas pestanas.
Odeio as curvas do teu dorso.
Odeio como te vestes despreocupadamente, mas mesmo assim estás sempre bem.
Odeio os teus ténis sujos e as tuas calças apertadas.
Odeio as tuas escolhas musicais.
Odeio a maneira como mexes o chá e respiras o ar puro das árvores com ar de satisfação.
Odeio a tua vida boémia, e as danças parvas que fazes.
Odeio ouvir o teu riso lá de longe quando estou a beber café com os meus amigos.
Odeio essa tua cara de menino grande.
Odeio o teu andar acelerado e o teu andar calmo.
Odeio o teu humor sarcástico.
Odeio quando me fazes rir.
Odeio todos os teus pormenores físicos, psicológicos, interiores e exteriores.
Odeio o sabor dos teus beijos longos.
Odeio os teus abraços apertados.
Odeio sentir a tua respiração forte e descontroladamente suave quando te digo que te amo.

Saturday, November 10, 2007

rosa vermelha


Tenho um amigo meu que fuma, que não se preocupa muito com a sua beleza exterior.
Preocupa-se mais com a interior.
E para esta finalidade, a medicação exacta que o mais comum dos mortais lhe daria seriam livros, exposições, documentários, estudos universitários, etc.
Ao invés disso, ele dedica-se a leves viagens interiores. Força-as sem sucesso, e consegue atingi-las sem se aperceber.
Viaja e deduz coisas que só se apercebe quando mexe durante largos segundos o café, enquanto fita a mão lesada da empregada que o serviu.
Este é o meu amigo que fuma, e só ele me tira de casa nestes dias.
E eu nestes dias ainda o acho menos bonito.

Wednesday, November 07, 2007

vejo o mesmo que tu




















até que sou uma miuda simples.
já me custou mais olhar para ti, agora não custa tanto.
agora já me habituei que não és o que quero. o que quero não, o que eu gostava que me passasse a mão pelo cabelo. quem eu gostava de levar a passear de carro a descer uma serra, com o vento a roçar a nossa pele, e a deixar-se envolver pelos nossos risos. quem eu gostava de levar a beber o meu chá preferido. quem eu gostava que visse todos os meus tiques e rituais de ser humano. quem eu queria que experimentasse todas as massas horríveis que cozinho, mas que só eu gosto. quem eu gostava que pudesse apreciar a minha cara de estúpida quando se ouve a Disappointment dos Cranberries sem eu estar à espera.
já passei a mão pelo teu cabelo sem tu sequer reparares que eu o estava a fazer. a tocar em cada fio, e a sentir a sua macieza. porque eu até sou boa miuda, só que não estou muito para mim virada. por isso é que já não me custa olhar para ti.
porque me quero virar para mim. e tu não queres. tu queres virar-te para ti.
já o sabes, mas não o queres saber.
porque também queres aquele conforto do corpo morto ao teu lado, que na realidade não é quem desejas.


e também existes tu. que não te conheço, mas que quero conhecer. porque tu se calhar é que és aquele a quem também passo a mão no cabelo. e passo.
mas trazes-me um olhar que há muito que não via.
és um contador de histórias.
e eu só me deixo envolver nisso porque preciso de imaginar algo naqueles instantes antes de adormecer.


e tu e eu? isso não existe. mas também nunca existirá.
e este que me deram a conhecer? Fritz Perls disse:

Eu faço o que me é próprio, e tu o que te é próprio.
Não estou neste mundo para satisfazer as tuas expectativas,
e tu não estás neste mundo para satisfazer as minhas.
Tu és tu, e eu sou eu.
E, se eventualmente nos encontrarmos, é maravilhoso.
Se não, não tem remédio
.

[a primeira foto foi retirada deste site http://olhares.aeiou.pt/quartadimensao. é uma fotografia de ricardo jorge, embora não conheça, gosto das fotografias. obrigada]


30.01.06



[30.01.06]
Pousado sob uma cor serena,
semeio o teu passo,
com diamantes brutos, irreconhecíveis pelo tempo e falta de espaço.
Regresso a mim e indago a nossa existência.
Cura para um sentimento que são mais sentimentos.
Caligrafo dezenas de palavras em rochas e frutas selvagens, dum ponto ao outro, esmagando-os uns contra os outros na espera de uma sucessão.
Do alcance de um nível... a nível espiritual mas não conjugal.
Alheio-me de tudo e foco as gotas de água que trespassam o meu cabelo, roçando o meu rosto como uma força maligna que ao cair, aterram num espaço limpo e tranquilo.
Adormeço e recupero...
Respira-se um novo ser.
 
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