Wednesday, November 07, 2012

Castelos de saliva

Olhei para o espelho e vi um panda.
Um panda esbranquiçado de olhos negros.
- Levei dois murros de tédio - disse-me ele, enquanto continuava a escurecer a boca desenhando um sorriso rasgado que pouco jus fazia ao seu estado de espírito.
Nunca tinha visto um panda como este. Aliás, sem ser no Jardim Zoológico, acho que nunca tinha estado tão perto de um panda.
Toquei-lhe nas costas, mas pouca carne havia. Na verdade, as minhas mãos apenas sentiram ossos, que mais me pareciam pedaços de bambu.
Apenas as bochechas eram salientes, pois o coitado era muito magro.
Dei-lhe couves de Bruxelas envolvidas em natas com pimenta preta para comer, mas em três tempos as vomitou.
- Talvez não tenha escolhido a melhor refeição para dar a um panda - pensei eu.
Mas ele não se mostrou muito incomodado. Ao que parece era um movimento natural do seu corpo a que já se tinha habituado.
Limpou a boca, deu um gole numa garrafa de água, e retocou os lábios.
Era um panda bonito, e embora tivesse os olhos visivelmente feridos pelo tédio, conseguia pegar nessas feridas e lambê-las com muita saliva para construir castelos que derrubassem o aborrecimento que emoldurava o espelho onde nos víamos.
Enquanto se pintava e fazia caretas, eu entretinha-me a conversar com ele. Quando dei pelas horas já estava na hora que tinha definido como hora de ir dormir.
Pousei o espelho, lavei-lhe a cara, e juntos sonhámos.

Permanente sobre papel

Estava a matar o tempo com papéis e bonecos quando te vi estendida no chão. Sozinha ali dormias, à espera que o teu amo te viesse buscar. Peguei em ti, descobri o teu manto cinzento e olhei perplexa o teu frágil bico.
Um bico fino, longo, e uma língua preta como a dos Shar-peis.
Exibi-te a todos e guardei-te junto ao meu peito.
Agora és minha.
Róis-me os nós dos dedos mas ainda assim, que prazer me dá ver-te a lamber os papéis com que costumava brincar para matar o tempo.

Thursday, October 25, 2012

Outro Inverno

Digo mais!
Se eu soubesse desenhar, desenhava mais dos meus sonhos. Discotecas com chão de relva e postes de betão. As minhas pernas com pelo menos mais cem músculos. Corpos em que o rabo faz também a parte da frente do corpo.
Se soubesse filmar, filmava o momento em que saio do banho, e em que a minha gata se põe debaixo da minha toalha, e se agacha entre os meus tornozelos e os meus joelhos. Filmava também esse momento sem a minha gata, em que os fios dos meus cabelos pingam sobre os meus dedos dos pés, onde reflicto se quero tomar outro banho, ou se deva mudar a cor do verniz que tenho nas unhas dos mesmos. Filmava dois amantes a partilharem a mesma cama em sono profundo, e focava-me na troca de posições e abraços.
Se soubesse cantar, cantava as piores covers do mundo, mas sempre com muito sentimento, sem nunca explicar porquê. Cantava em canis e gatis. Cantava na fila da sopa dos pobres. Cantava no autocarro, cantava junto ao mar. Cantava para os meus sobrinhos.
Se soubesse nadar, atravessava o canal inglês. Nadava do Tejo até ao lago onde as medusas não nos fazem mal e apalpava-as todas até apresentarem queixa.
Isto de sonhar muito deixa-me a boca oleosa.

Wednesday, October 17, 2012

Um Inverno

Se eu soubesse desenhar, desenhava tudo o que vejo nos meus sonhos.
Montanhas enormes, edifícios modernos com elevadores capazes de fazer curvas e contra-curvas e que não obedecem à mão humana.
Pautas de música cheias de notas e melodias que não consigo cantarolar nem tocar.
Gatos ainda bébés com dentes afiados e pés de cabra.
Desenhava também as minhas variações de humor e os vários estados de espírito por que passo.
A vontade súbita de vomitar que me dá, quando o cinzento dos dias cai sobre os meus ombros e me os massaja, até os meus pés se enterrarem no solo.
A alegria que sinto quando estou junto de quem amo, que é tão forte que se demonstra em lágrimas interiores que me enchem os maxilares.
Desenhava também o perigo que eu vejo em passar sobre o viaduto Duarte Pacheco e os meus passeios nos tectos daquele edifício cheio de plantas, arbustos e relva. Desenhava a casa amarela que fica no final do viaduto, como eu acho que ela é por dentro. Uma fachada.
Desenhava o efeito que um café pingado tem em mim, em dias que só me apetece definhar.
Desenhava os pensamentos todos cá para fora para que pudesse arranjar espaço para novos.
Desenhava pensamentos, actos e acções como se ainda soubesse o que é ir à missa.
Se eu soubesse desenhar, desenhava isto e o que ainda me falta sonhar, cheirar, viver, beber.
Se não fossem os "ses", a minha vida era um Inverno.

Monday, October 08, 2012

Café e mais cigarros

A minha musa inspiradora já só me visita de vez em quando.
Por um lado agradeço-lhe, porque das poucas vezes que me visita tremo de medo que venha para ficar mais  tempo e isso faz com que o tempo passe ainda mais devagar e ela me arraste nos seus passeios aborrecidíssimos.
Por outro lado, às vezes tenho pena que não apareça mais vezes ou que quando o faz, o faça com menos intensidade. A inspiração que ela me traz, traz-me também mais força no pulso direito e desata-me o nó na garganta. Nó esse que se manifesta pelo pulso.
Contas feitas e insatisfeitas, chego à conclusão que esta musa inspiradora, só dura enquanto há dor.
Preparo-lhe um café bem forte, e espero que a volta ao estômago a apresse a sair daqui.

Monday, September 03, 2012

Toma as palavras, agora constrói a história

É engraçado como a maior parte das pessoas tende a encontrar via inconsciente ou coincidência, mensagens, ambientes, sinais ou pessoas, que vão de encontro e acordo com o seu estado de espírito.
Cheguei à estação de metro do Marquês de Pombal.
Domingo, 21h30.
Um metro havia partido.
A estação estava vazia, de um lado e do outro.
Só lá estava eu.
Só lá estive eu durante largos minutos.
Sem som.
Só eu e aquelas paredes velhas.

Sunday, September 02, 2012

Cartas ao futuro

Passou-se quase um ano desde a última vez que te toquei.
Nesse último ano, vi-te muitas vezes ao longe.
Senti o teu cheiro, vi fotografias tuas, sonhei contigo, senti falta do teu abraço.
Era quase noite, resolvi ir ter contigo.
Recebeste-me como se nem um dia da minha ausência se tivesse passado.
O teu cheiro, a lua reflectida nas tuas costas, o teu toque, nada mudou.
Eu também não mudei. E mesmo que tivesse mudado, tu aceitavas.
Nunca te vi revoltado contra mim, e aceitava isso melhor do que se fosse outro qualquer.
Mergulho para dentro de ti, e fazemos amor.
Eterno.

Friday, July 27, 2012

Não marques nada

Encontra-me no sítio mais bonito da cidade.
Encontra-me onde a chuva que cai é lilás, a minha cor favorita.
Encontra-me onde o castanho madeira roça o verde velho, e o enferrujado roça o seco.
Encontra-me onde os cascos de madeira jogam ao coito, e não saem do seu poiso, rodeados pelos filhos da chuva e as pedras da calçada.
Encontra-me onde o verde quase branco enfeita a cabeça daquela miúda, que num chão imenso estica a perna direita para trás, como se fosse uma ginasta.
Encontra-me atenta e curiosa, separada do sítio mais bonito da cidade, por uma máquina que temo.
Encontra-me agora nos meus sonhos.

Sem entradas

A última estória que contei sobre alguém, tornou-se realidade.
A minha imaginação, o meu tacto sensível e a tinta da minha caneta, encontraram-se num ponto em que o futuro era tão fácil de prever, que a estória fluiu naturalmente.
Gostava de contar mais estórias que me contassem e prevenissem sobre o futuro, mas às vezes o que achamos que é mais previsível, é exactamente o oposto.
Se quisesse contar uma estória sobre ti, acabavas a limpar as tuas lágrimas ao cachecol que havia esquecido em tua casa.
Não conto, pois nem sequer sei o teu presente.
Bem vistas as coisas, nem o quero saber, nem o quero contar.
Guardo a tinta para os chocos.

Saturday, July 21, 2012

Seja uma figura na linguagem

Quando crescer vou vender metáforas em frascos, a copo e a avulso.
As metáforas são um óptimo escape para quando não temos tomates para dizermos o que queremos; para quando o cinismo e o desprezo se entrelaçam na nossa língua e comandam o nosso discurso social; para quando estamos cansados de ser sinceros e isso sair pior do que coisas entrelaçadas na língua ou tomates ainda verdes.
"Toma disto, engole aquilo, chupa aqui.
Rende-te à minha medicina ou desaparece.
Faz o que quiseres, mas não me apareças à frente se não reúnes as poucas condições que me fazem crer no pouco valor que têm os animais racionais, ditos humanos.
Obrigada, volte sempre."

Tuesday, July 10, 2012

Falta(s-me)

Se há textos sem lógica, como um quadro abstracto que nos permite trabalhar o conhecimento e a nossa imaginação, também há textos sobre tentar descobrir uma lógica onde não há, para tentar obedecer  a esse princípio que move quase todos os homens que é procurar uma lógica em quase tudo o que fazem.
Porque estamos aqui, porque comemos, porque amamos, porque sofremos, porque indagamos, porque sorrimos, porque choramos, porque temos um dialecto e uma cultura diferente de outros habitantes deste mesmo planeta. Porque sentimos saudades.
Porque sentimos saudades do que não conhecemos?
Porque sentimos saudades de um passado que mal vivemos e de um futuro que não sabíamos se iríamos viver?
Porque batalhamos em busca de uma felicidade ao invés de nos contentarmos com a que temos?
Porque já não temos idade para isso. Porque começamos a crescer e a achar que já é altura de nos satisfazermos e tentar agir segundo as nossas crenças embora possam ser inalcançáveis, por serem contrárias às da maioria.
E um dia, na terceira idade, nós insuportáveis, teimosos e rigorosos para com os nossos princípios e as nossas crenças, aí sim, seremos felizes.
Então a minha lógica ilógica é esta.
E continuarei a sentir saudades tuas, quem não conheci.

Monday, June 18, 2012

O autocarro

Troquei o barulho do motor pelo silêncio massivo que se fazia sentir.
Ouviam-se pés a raspar no chão, janelas a tremer, respirações profundas e uma outra tosse de vez em quando.
Troquei este silêncio de palavras pelo silêncio que não se ouvia.
Ouviam-se listas de supermercados, canções populares portuguesas, sonhos perturbados pelos três silêncios que se faziam ouvir, memórias do passado e problemas do futuro.
Juntei os três silêncios e era uma sinfonia inaudível.
Tanto problema com os silêncios entre estranhos, mas aqui é como todos se conhecessem e respeitassem o espaço e silêncio de cada um.

Thursday, May 17, 2012

As cartas dela


Tinha ela cerca de 30 anos quando a conheci. Eu era um pouco mais novo.
Trabalhava satisfazendo as delícias dos discípulos de Baco. Nas minhas horas vagas, alternava entre afiar as unhas na guitarra e limá-las num caderno.
Conheci-a no meio da rua, quando me perguntou quais eram as músicas de que gostava mais.
Indaguei-me de onde teria aparecido, mas ela ignorava o que eu dizia, e continuava a querer falar comigo, deixando-me curioso.
Ouvimos música juntos, discordámos, rimos, abraçámo-nos.
Contou-me a sua história, eu contei-lhe a minha. 
Do pouco que me ouviu, não sei o que reteve.
Sem termos forma de nos contactar, a única maneira que tinha de a ver, era quando me procurava.
Via-a de tempos a tempos, sempre com um sorriso na cara.
O seu riso era contagiante, mas a sua tristeza era também bastante palpável.
Não sei que espécie de conforto encontrava em mim, mas era notório que o encontrava.
Um dia, entre licores dos deuses e cigarros perdidos, perguntou-me se queria partir com ela para o país vizinho, em busca de novas vivências.
Naquele instante decidi aceitar. Não me arrependi, até porque sempre fui uma pessoa que gostou de conhecer novas culturas, de viver aventuras, de experimentar novos sabores.
Fiz as malas e esperei-a junto dos comboios.
Partimos rumo a uma vida nova, uma terra nova, uma língua nova.
Não sabia muito bem o que esperar. Não me queria envolver com ela, pois não me parecia uma pessoa consistente, apesar de me parecer uma pessoa muito apaixonada.
Corremos campos, bares, teatros, casas, sofás, tascas, praias; viajámos a pé, de tractor, de barco.
Abraçámo-nos em fotografias, compusémos músicas juntos.
Dançámos e bebemos sem temer o dia seguinte.
Mas algo não a fazia esquecer a tristeza que ela própria havia implantado em si.
Uns tempos depois, acordei com ela a preparar-me o pequeno-almoço com um sorriso novo.
Quando lhe perguntei o que se passava, recebi uma resposta que não estava à espera.
Pediu-me que escrevesse cartas à sua família.
Havia partido sem deixar rasto, e não queria mais comunicar com quem sempre a estimou.
As suas razões não eram óbvias, mas em contexto fariam sentido.
Estava farta de respirar. Estava farta disso e não tinha coragem para o dizer à família.
A solução que tinha encontrado era esta. Que eu escrevesse cartas para a família dela. Que as escrevesse até que eu decidisse quando morreria.
Dava-me um papel para a mão que eu não sabia se conseguia ter.
Queria que eu vestisse uma personagem que dentro em breve deixaria de respirar.
Sempre preservei a liberdade. Sempre respeitei as ideias dos outros, esta é a minha maneira de me sentir livre, e de poder dar liberdade aos outros, a liberdade que tanto desejam.
Disse-me que iria partir, em busca de um sítio onde se sentisse confortável, completa e feliz.
Esse foi o meu trato com ela.
Que me enviasse uma carta ou um postal assim que encontrasse o paraíso que procurava, e eu então enviava as cartas para a família dela.
O sol brilhava entre os vales e o reflexo do meu copo na mesa foi apagado por uma mão que pousou um postal.
Era ela.
Havia encontrado o seu sítio confortável.
Descrevia-o como sendo mais bonito que as serras na primavera, as faces das crianças e mais suave que o toque do mar nas nossas mãos.
Despedia-se com um abraço profundo e junto com o postal vinha um embrulho grande.
Um pedaço de barro esculpido.
Uma mão que tocava num peito.
A mão dela no meu peito.
Perguntei-lhe quando nos voltaríamos a ver, ela respondeu "Não sei, não sei se te quero voltar a ver, tenho medo de me apaixonar por ti".

Ela saíu do quarto, e afinal quem desapareceu fui eu.
E nunca disse adeus.

Cortar laços com alguém

Uma frase simples, sem palavras negativas, com um ornamento bonito, e um sujeito qualquer.
Com menos 50cm, a visualização desta frase, seria como a inauguração de um espaço em que por exemplo, um presidente de uma junta de freguesia tem uma tesoura grande, como aquelas que se usam para podar arbustos, e com uma simples tesourada, desfaz o belo laço vermelho que vai abrir um caminho para se poder desfrutar de um novo espaço.
Com mais 50cm, a visualização que tenho desta frase, continua a ser mais ou menos igual.
A diferença é que agora a tesoura está enferrujada, o laço é bonito demais, e o prédio por detrás do mesmo, ameaça cair.
Já não acho a frase bonita, nem acho que faça juz ao seu sentido.
Num mundo em que a imaginação prevalecesse à realidade e fosse dada a escolha entre uma acção ou outra, era bem possível que muito mais pessoas cortassem laços umas às outras, com a esperança dúbia que um dia mais tarde pudessem dar um nó nesse laço desfeito.
Haveria então mais lugar para o arrependimento e uma maior dôr.
Que tal acabarmos com as frases feitas que nos tentam embelezar a vida?
Todos nós sabemos que a vida é mais cruel do que isso.
E atirar areia para os olhos de alguém com menos 50cm do que nós, não é menos cruel.

Monday, May 07, 2012

P'ra ti que me massajas

O céu é amarelo e massaja-me a barriga.
Deitado de costas, ouço a chuva cair.
Tenho sombras que me afagam os pés, e uma maior que me segura a cabeça para que não caia.
Às vezes ouço carros a passar, outras vezes crianças que brincam.
Quase sempre os passos são acelerados e quase nunca ouço a voz de quem me massaja.
Vozes várias alimentam o meu imaginário.
Ouço muitas histórias, sinto muitos cheiros, brisas, mas nunca falo sobre eles.
Dou-os todos a guardar, e deixo que decidam o que conto.
Falo à medida que penso, e às vezes sinto o sabor a tinta na minha boca.
E assim vivo eu.

Tuesday, April 17, 2012

Estoy aprendiendo

O primeiro passo para a loucura é nascer.
Depois, depende do espírito de cada um.

Saturday, April 14, 2012

Cantigas salivadas

É dentro da confusão mental que ando a viver, que cada vez mais chego a conclusões fortes sobre a minha maneira de pensar, agir e estar.
Não julgo ninguém, nem admito que me julguem.
Poucos me conhecem, e muito poucos me vão conhecer.
Só eu sei a que é que cheiro, e não é por não me querer explicar ou fazer transparecer.
As pessoas é que vivem enfrascadas em garrafas rotuladas com moralidades e princípios que lhes foram impostos.
Seja na forma como foram educadas, os livros que leram, as canções que ouviram, os trilhos que resolveram traçar.
Se alguém destapa um bocadinho da rolha e deixa entrar um ar diferente do que estão habituadas a respirar, sentem-se envenenadas, conspurcadas, violadas.
E a saliva é uma coisa que só dura até à hora da nossa morte. E essa hora pode caber-nos a nós decidir qual é.
Independentemente de ser física, psicológica, espiritual ou simplesmente para os outros.
Mais vale então guardá-la (à saliva) para por exemplo se cantarem canções que estes outros possam ouvir, julgar, inspirar e expelir.

Conversas com Deus

Entre falar comigo e falar com Deus, a diferença não é muita.
Acredito em mim, tento-me perdoar quando peco e os meus pecados sou eu que decido quais são.
Ofereço-me o melhor e o pior que tem a vida, e aprendo com isso.
Abraço a mãe natureza, e tento extrair do seu suco, o melhor que ela me pode dar.
Enveneno-me quando estou bem e quando estou mal. Presenteio-me quando estou bem e quando estou mal.
Falo para dentro, e escrevo testamentos. Há velhos e novos, mas o tempo é subjectivo, pois a minha moral será sempre imortal.

Thursday, April 12, 2012

Lexicus

Quando o teu léxico de palavras não passa de uma aguadilha, torna-se difícil vomitar cá p'ra fora a sopa de letras que te fez engasgar.
Ainda assim, escarafunchas a garganta com a mão que te alimenta, almejando tocar no sítio mais inalcançável das tuas profundezas.
A opção é só tua.
Ou te contentas com a aguadilha, ou escarafunchas até conseguires. Também.. é só a ti que tens que contentar.

Tuesday, April 03, 2012

Uma faca, um coração, e uma questão de sorte.

What is love?
Toda a gente tem uma definição diferente para o que é o amor.
Oscilam entre ser mau ou bom, dependendo dos destroços que lhes possa ter causado.
Procuram uma definição para a palavra e sentimento amor, e por norma ninguém consegue explicar o que é.
O que me fascina é exactamente por ninguém conseguir explicar o que é, como há então uma facilidade tão grande em falar no mesmo?
Escrevem-se poesias, prosas, rimas, versos, cantigas, serenatas, odes, manifestos.
Se é assim tão difícil de explicar, tão difícil de saber, tão difícil de tocar, então porque é que há esta facilidade tão grande?
O tema "amor" é possivelmente o mais escolhido para se escrever ou cantar sobre.
Talvez porque no meio dessa confusão as pessoas tenham chegado a um consenso a respeito deste sentimento grandioso.
Sabem que é quente, que pode ser doloroso, mas que se for bem aplicado é bom e nos faz sentir bem.
É por isso que pouco escrevo sobre o amor.
Prefiro explorar outras questões ou sentimentos menos comuns ou palpáveis.
Até porque a meu ver, o amor é subjectivo.

A fome gasosa.

Se os sonhos são gasosos porque não os esculpir e torná-los sólidos?
Talvez este processo seja doloroso para quem não os vive.
É de fácil compreensão.
Ainda assim, também é de fácil compreensão que aos menos os tente tornar líquidos com a força de uma caneta, para de algum modo os poder expandir e matar a minha fome de ocupar o tempo ao invés de o ocupar com pensamentos, verdadeiros, pesados e sólidos.

Amar o mar

Fotografei-te.
Parecias um burro a olhar para um palácio, como se nunca me tivesses visto.
Os teus olhos penetravam-me e o teu cabelo esvoaçava na minha direcção.
Os teus dedos acariciavam-me, e o teu corpo inclinava-se sobre mim.
Justificaste-te perante mim, dizendo que te fascinava o meu tamanho, a minha imensidão, o meu poder, a minha simples beleza.
A minha beleza, que por ser tão simples, era a mais bela de todas.
Fiquei apaixonado pela forma como me olhaste, tocaste e descreveste.
Só tenho pena de não me ter apaixonado por ti.
É que para mim, vocês são todos iguais, e usam sempre as mesmas palavras.
Mas descansa, nunca vou esquecer o teu olhar.

Monday, April 02, 2012

Perder tudo!

Não entendo porque se fala em perder a cabeça, quando é muito mais comum de se perder tempo, a pensar onde se perdeu a cabeça, onde se irá perder, onde se irá encontrá-la.
Perde-se é tempo, muito tempo.
Eu por exemplo, perdi agora cerca de umas 4 horas, e não sei onde as pûs.
E já estou farta de as procurar.
Só que o facto de estar farta de as procurar, faz com que não tenha mais vontade de o fazer. Então continuo a perder tempo.

fruta-cores

Qual é o teu fruto preferido?
O proibido ou da tua imaginação?

Espinal medula

Encontro-me numa espiral medusa.
Mentira, não me encontro nada.

Saturday, March 24, 2012

peish

Quando abri os olhos ainda estava dentro de água.
Esquisito, pensei. Ao me libertar desta goma, era suposto respirar somente ar. Mas era só água que existia à minha volta.
Nadei, nadei, nadei, e comecei a perder noção do mundo à minha volta.
A minha mãe já estava bem longe, os meus irmãos haviam seguido o seu caminho.
E agora que faço? Já sei, vou continuar a nadar.
Sinto falta de ter sido criança. Já ouvi estórias e pareceram-me todas bastante agradáveis. A ingenuidade, a descoberta, essas coisas todas bonitas que se perdem quando crescemos.
Não me lembro de as ter tido. Quando nasci, já era grande, e o ar que respirava estava todo dentro de água.
Nado sozinho, sempre nadei. Adoro o mar, por isso o persigo, sempre à espera que me mostre algo de novo. Mas por mais voltas que dê, acabo sempre por navegar nas mesmas ondas.
O que mais me custa é não conseguir fechar os olhos.
Mas também quando o fizer, há de ser p'ra sempre.

Tuesday, March 20, 2012

O que escreves?

Eu escrevo apenas o que sinto.
O que vejo, o que leio, o que ouço, o que saboreio.
Há tanta liberdade nisto como na vossa interpretação.

Pode?

Pode existir um mundo em que a conexão carnal possa andar a par com a conexão espiritual, amorosa, e de compromisso?
Ou parte-se já do principio que este será um mundo sem princípios ou respeito?
Um mundo em que não haja julgamentos por parte de quem não viveu, não sabe, nem sonha.
Um mundo onde há precipitação, momentos intensos e não há futuro.
Um mundo onde a única moral a ser cumprida é a nossa, e os princípios mesmo que desrespeitados sejam os nossos.
Um mundo em que o que não consideramos maldoso, quando nos é mostrada a outra face da moeda, continuemos a concordar com a nossa ideia inicial.
Um mundo em que a obrigação, o compromisso e o respeito, não andem de mãos dadas por não serem solidários com a hipocrisia e a falsa moral.
Um mundo em que não há mentira, pois todas as pessoas são incrivelmente francas e genuínas.
Um mundo em que o egoísmo é algo positivo, porque quem o pratica é mais feliz, e não precisa de magoar ou passar por cima dos outros para atingir essa felicidade.
Um mundo em que o nosso espaço é respeitado, exactamente por ser "nosso", e ao ser nosso, somente a nós dizer respeito.
Poderá a utopia ser palpável?
Ou os sonhos deixarem de ser gasosos?

Histórias de embalar

Uma história de embalar, das duas uma: ou deveria ser uma história enfadonha de modo a nos causar e dar sono; ou uma história incompleta, p'ra que quando fechássemos os olhos, pudéssemos imaginar o resto da história, até os nossos pensamentos conscientes se misturassem com os do inconsciente e acabássemos eventualmente por adormecer.
Um dia destes escrevo uma a sério. É que todas as noites o faço, só que o inconsciente liga-me directamente ao sono, e deixa-me o corpo dormente, de maneira que pegar numa caneta e num caderno se torna extremamente difícil.

Friday, March 16, 2012

Crianças..

Cada vez mais adoro a inocência das crianças.
Uma criança que não me conhece, que corre para o meu colo, me abraça e me dá um beijo, talvez porque tenha simpatizado com o meu rosto ou com o meu sorriso, é um dos actos mais puros a que já assisti.
Admiro-lhes a inocência e tenho pena que a mesma não seja administrada inconscientemente a mais adultos.
Adoro beijar uma criança na face, fazer-lhe festas no cabelo e tê-la ao colo, mesmo que sejam momentos de silêncio.
O crescimento tira-nos esta inocência, e um gesto destes com um adulto, incita logo maldade e segundas intenções.
Tenho pena.
Porque até há dias em que gosto de humanos já crescidos.

Wednesday, March 14, 2012

Poesia concluída

A poesia que há num copo de vinho pronto a ser degustado, só é mais bonita que num copo de vinho vazio, porque quando a alma se enche e os lábios não cerram em alguém que não teme o que diz, as palavras não vibram oralmente.

Saturday, February 25, 2012

Este sou eu

Só passou um minuto e parece que estou aqui à uma eternidade.
"Pára de escrever e conversa comigo", disse-me ela.
"Deixa de estar como gostas e vem ouvir os meus problemas infindáveis. Justifica a minha presença neste local e põe-me um sorriso na cara", quis ela dizer.
E assim o fiz. Guardei o caderno e fui dançar, numa dança macaca que a animava enquanto viajava no meio de todos os seus problemas.

Dois dígitos depois da casa dos dez

Porque é que não posso fazer as perguntas que quero?
Porque é que não posso saber as respostas correctas e os sentimentos verdadeiros?
Porque é que as pessoas insistem em negar o que sentem? Será por medo da repressão que poderão sentir?
Será isto a crise da meia-idade dos porquês?
Porque é que quando exponho o que sinto as pessoas se afastam? Será um ar assim tão pesado?

Ontem imaginei um mundo

Estou farta destas cores.
Estou farta das sombras das pessoas.
Apetecia-me entrar num sítio em que fossem todas círculos, quadrados ou triângulos.
Estou farta dos erros que toda a gente comete.
Estou farta de errar e farta de pensar.
Estou farta que haja explicações rápidas para coisas que não têm explicação.
Estou farta dos mesmos movimentos de anca, farta dos braços levantados a segurar um copo, farta das músicas sempre o mesmo sol e dó.
Tenho dó disto tudo porque não vejo sol nenhum.
Está tudo escuro e feio.

Thursday, February 16, 2012

Question

Será que os espelhos nos enganam a vista como a nossa voz engana os nossos próprios ouvidos?
 
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