Tuesday, August 26, 2014

A imagem das palavras

"Uma imagem vale mais do que mil palavras", dizem que disse Confúcio, um filósofo chinês.
Nas bocas do mundo andou esta frase, em troca de fluídos se propagou e começa hoje a ser o mote dos jovens portadores, descobridores e fãs das novas tecnologias.
Hoje muita gente fotografa e pouca gente sabe escrever.
Hoje muita gente se agarra ao provérbio numa mão e ao smartphone na outra, esquecendo o palavreado bonito que serviria para descrever um final de tarde passado entre amigos, um cão desconhecido que rouba as bolas todas da praia, a poesia de um copo de vinho entornado...
As letras são deixadas ao abandono em paredes, murais, pinturas quase rupestres que reciclam as mesmas palavras vezes sem conta, rodando entre elas algumas vezes para fazer frases ligeiramente diferentes umas das outras.
A palavra "coração", outrora de tamanha dimensão, é agora substituída por um símbolo de "maior que" seguido do número três formando assim o desenho de um coração deitado que pode facilmente ser confundido com um cone de duas bolas ou com um belo rabiosque suportado por umas finas pernas.
É também substituída por um gesto com ambas as mãos unidas em forma da letra "C", uma virada para dentro e outra virada para fora, formando assim um coração (como tem vindo a ser popularmente desenhado), que pode facilmente ser confundido com dois curtos pescoços de cisnes ou com o manifesto e/ou desejo de se agarrar em dois objectos fálicos em simultâneo.
E o tempo que gastei a escrever isto em vez de fotografar?
Pois é, arrumava-se o assunto logo num instante.
E nestas letras pouco ou nada de poesia se encontrou.
Uma imagem valerá mais do que mil palavras se não as repetirmos mil vezes.
Uma imagem valerá mais do que mil palavras se nos transmitir uma emoção incapaz de ser traduzida pelas mesmas.
Uma imagem valerá mais do que mil palavras se o conteúdo retratado tiver mais do que mil palavras.
Uma imagem valerá mais do que mil palavras se tivermos um quadro valioso na mão e o quisermos trocar por um pedaço de pão.
Uma imagem (quase) nunca valerá mais do que mil palavras.
A não ser que não consigamos comunicar (por que razão seja) sobre essa imagem, ou se a preguiça tomar conta da nossa vergonha, vontade e dicionário.
 
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