Thursday, October 25, 2012

Outro Inverno

Digo mais!
Se eu soubesse desenhar, desenhava mais dos meus sonhos. Discotecas com chão de relva e postes de betão. As minhas pernas com pelo menos mais cem músculos. Corpos em que o rabo faz também a parte da frente do corpo.
Se soubesse filmar, filmava o momento em que saio do banho, e em que a minha gata se põe debaixo da minha toalha, e se agacha entre os meus tornozelos e os meus joelhos. Filmava também esse momento sem a minha gata, em que os fios dos meus cabelos pingam sobre os meus dedos dos pés, onde reflicto se quero tomar outro banho, ou se deva mudar a cor do verniz que tenho nas unhas dos mesmos. Filmava dois amantes a partilharem a mesma cama em sono profundo, e focava-me na troca de posições e abraços.
Se soubesse cantar, cantava as piores covers do mundo, mas sempre com muito sentimento, sem nunca explicar porquê. Cantava em canis e gatis. Cantava na fila da sopa dos pobres. Cantava no autocarro, cantava junto ao mar. Cantava para os meus sobrinhos.
Se soubesse nadar, atravessava o canal inglês. Nadava do Tejo até ao lago onde as medusas não nos fazem mal e apalpava-as todas até apresentarem queixa.
Isto de sonhar muito deixa-me a boca oleosa.

Wednesday, October 17, 2012

Um Inverno

Se eu soubesse desenhar, desenhava tudo o que vejo nos meus sonhos.
Montanhas enormes, edifícios modernos com elevadores capazes de fazer curvas e contra-curvas e que não obedecem à mão humana.
Pautas de música cheias de notas e melodias que não consigo cantarolar nem tocar.
Gatos ainda bébés com dentes afiados e pés de cabra.
Desenhava também as minhas variações de humor e os vários estados de espírito por que passo.
A vontade súbita de vomitar que me dá, quando o cinzento dos dias cai sobre os meus ombros e me os massaja, até os meus pés se enterrarem no solo.
A alegria que sinto quando estou junto de quem amo, que é tão forte que se demonstra em lágrimas interiores que me enchem os maxilares.
Desenhava também o perigo que eu vejo em passar sobre o viaduto Duarte Pacheco e os meus passeios nos tectos daquele edifício cheio de plantas, arbustos e relva. Desenhava a casa amarela que fica no final do viaduto, como eu acho que ela é por dentro. Uma fachada.
Desenhava o efeito que um café pingado tem em mim, em dias que só me apetece definhar.
Desenhava os pensamentos todos cá para fora para que pudesse arranjar espaço para novos.
Desenhava pensamentos, actos e acções como se ainda soubesse o que é ir à missa.
Se eu soubesse desenhar, desenhava isto e o que ainda me falta sonhar, cheirar, viver, beber.
Se não fossem os "ses", a minha vida era um Inverno.

Monday, October 08, 2012

Café e mais cigarros

A minha musa inspiradora já só me visita de vez em quando.
Por um lado agradeço-lhe, porque das poucas vezes que me visita tremo de medo que venha para ficar mais  tempo e isso faz com que o tempo passe ainda mais devagar e ela me arraste nos seus passeios aborrecidíssimos.
Por outro lado, às vezes tenho pena que não apareça mais vezes ou que quando o faz, o faça com menos intensidade. A inspiração que ela me traz, traz-me também mais força no pulso direito e desata-me o nó na garganta. Nó esse que se manifesta pelo pulso.
Contas feitas e insatisfeitas, chego à conclusão que esta musa inspiradora, só dura enquanto há dor.
Preparo-lhe um café bem forte, e espero que a volta ao estômago a apresse a sair daqui.
 
Site Meter