Wednesday, October 29, 2008

dôr

dói-me tanto.
sinto a carne a rasgar, a cabeça a inchar. as lágrimas caem, os maxilares desdobram-se em mil. a dôr não passa. anda adormecida.
afastem-se de mim, deixem-me passar. finjam que não estou cá.
idolatrem a minha máscara, mas não se aproximem
imaginem uma redoma em torno da minha pessoa. intocável. como a maçã de adão. envenenada.
leiam relatos, catástrofes.
desenganem-se aqueles que me dizem que tudo isto é minha ilusão.
nada é ilusão se não tem um porquê.
se tem um porquê é real, pode-se apalpar, mexer, consertar.
mas aqui não há um porquê, não há uma explicação. não há um kharma justificável.
não sabemos por que vidas andamos a pagar. não sabemos os erros que cometemos, se os que cometemos não foram graves. foram humanos.
sempre ouvi dizer que tudo torna para nós. todo o mal que distribuímos torna para nós.
eu não sei do meu.


hoje é o papel da vítima. normalmente é o outro.
há que ser original.

Kings Of Leon - Closer


nota: precisa-se paciência. já não há sono que me ature, lençóis que me embrulhem com gosto, nem letras que vomitem o que sinto. estou aborrecida, apática, sem forças.

Tuesday, October 21, 2008

Mãe

Aldina Duarte - Mulheres ao Espelho [2008]



Mãe
Mãe, eu quero ir-me embora - a vida não é nada
Daquilo que disseste quando os meus seios começaram
A crescer. O amor foi tão parco, a solidão tão grande,
Murcharam tão depressa as rosas que me deram -
Se é que me deram flores, já não tenho a certeza, mas tu
Deves lembrar-te porque disseste que isso ía acontecer.

Mãe, eu quero ir-me embora - os meus sonhos estão
Cheios de pedras e de terra; e quando fecho os olhos,
Só vejo uns olhos parados no meu rosto e nada mais
Que a escuridão por cima. Ainda por cima, matei todos
Os sonhos que tiveste para mim - tenho a casa vazia,
Deitei-me com mais homens do que aqueles que amei
E o que amei de verdade nunca acordou comigo.

Mãe, eu quero ir-me embora - nenhum sorriso abre
Caminho no meu rosto e os beijos azedam na minha boca.
Tu sabes que não gosto de deixar-te sozinha, mas desta vez
Não chames pelo meu nome, não me peças que fique -
As lágrimas impedem-me de caminhar e eu tenho de ir-me
Embora, tu sabes, a tinta com que escrevo é o sangue
De uma ferida que se foi encostando ao meu peito como
Uma cama se afeiçoa a um corpo que vai vendo crescer.

Mãe, eu vou-me embora - esperei a vida inteira por quem
Nunca me amou e perdi tudo, até o medo de morrer. A esta
Hora as ruas desertas e as janelas convidam à viagem.
Para ficar, bastava-me uma voz que me chamasse, mas
Essa voz, tu sabes, não é a tua - a última canção sobre
O meu corpo já foi há muito tempo e desde então os dias
Foram sempre tão compridos, e o amor tão parco, e a solidão
Tão grande, e as rosas que disseste que um dia chegariam
Virão já amanhã, mas desta vez, não as verei murchar.

Maria do Rosário Pedreira










[nota: não é dedicado à minha mãe. é dedicado a outros. aos sonhadores, aos iludidos. aos perdidos, aos que acreditaram, aos que continuam a acreditar. aos solidários, aos solitários, aos saudosos. aos infelizes. que se fodam os felizes. aos egoístas. gente feliz deve ser aquela que nunca se questionou nem questiona.]
 
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