Friday, July 01, 2016

Uma bandeja de drama

De tanto bater, o meu coração parou.
De tanto tossir, a minha costela quebrou.
De tanto vergar, a minha cabeça tombou.
De tanto chorar, a minha sombra desertou.
De tanto sangrar, o meu corpo findou.
De tanto pesar, a história acabou.

Thursday, June 02, 2016

Sangro do nariz

Peguei no filtro e pû-lo na boca.
Peguei na mortalha e aconcheguei-a na palma da minha mão esquerda.
Com alguns dos dedos da minha mão direita abri o saco de tabaco e pousando-o sobre o meu colo consegui ter acesso aos seus finos fios, que desfiz para a cama de papel que jazia na minha mão esquerda.
Para lá, para cá. Em movimentos contínuos e algo descoordenados, consegui formar um tubo cancerígena que depois elevei em direcção aos lábios e lambi.
Lambi de uma ponta à outra orgulhosamente.
Dei o meu melhor, estou certa.
Ouvia as suas unhas a bater no teclado durante este processo todo.
Coloquei o cigarro já feito entre o dedo médio e o anelar, e como que com desprezo estendi-lhe o seu veneno.
Ela estendeu-me os dedos que podia.
Num desprendimento desse olhar de desprezo com a realidade, arrancou-me suavemente o cigarro das mãos e sorveu-o, pousando-o de seguida no cinzeiro.
Ele olhou para mim, mostrando-me as suas mantas cobertas de sangue.
O tubo cancerígena nunca poderia vencer o maior veneno que havia corrompido o seu ser.
Ela.

Thursday, February 18, 2016

A hora da monstra

Estava um frio invernal.
Os copos de vinho vinham-lhe aquecendo as entranhas e o frio da cerveja preparava-se para lhe acalmar a sede. A sede de não se poder continuar a destruir noite adentro.
A noite amarela e fria, com compassos quentes de calor humano e sobre-humano a pairarem sobre a esplanada.
Ao fundo, uma voz. Ao perto, outra.
Ouvia a que estava perto.
Ouvia aquela que lhe falava de aventuras loucas e impossíveis, dignas de filmes de comédias românticas, acompanhantes de luxo com um final honesto e o sumo do que é ser humano.
Ouvia e ria-se. Sorria muito, acenava com a cabeça e opinava.
Ao longe, ouvia a sua voz.
Aquela que a mandava calar, levantar-se da mesa, entornar a cerveja goela abaixo, caminhar até ao Tejo e descê-lo, com pedras da calçada nos bolsos.
Desencorajada pela sua própria essência, rumou a casa.
Lá, estava um calor infernal.
 
Site Meter