Monday, May 16, 2011

Eu, breu.


"Tantos carros e nenhum me passa por cima."
Estava tão aborrecido que voltou para casa.
Por lá, o tédio continuava a dominar o ar, embora tivesse deixado as janelas todas abertas de forma a arejar a casa.
Esticou-se no sofá.
De barriga para cima, fixava o tecto, na esperança de ser embalado pelo cansaço de tentar manter os olhos abertos o máximo tempo possível sem os piscar.
Há muito tempo que não estava assim tão aborrecido.
Nada o animava, nada fazia o tempo passar mais depressa.
Na verdade, o dia ao invés de avançar, parecia ficar cada vez mais claro.
"Que tédio." - pensou.
Já havia tomado banho duas vezes, assaltado a sua despensa outras tantas.
A rua não o aliciava, as pessoas não o seduziam.
A televisão e o computador só mostravam o sinal de estática, diziam-lhe os olhos dele.
Enfadonhado começou a observar o seu corpo.
Cada cicatriz, cada sinal, cada veia, cada pêlo, cada desnível de carne, tudo era novo para ele.
Nunca antes havia tomado tanto tempo a olhar para o seu simples corpo.
As peles soltas, os pêlos encravados, os pontos negros, as marcas do sol e da velhice, a marca do relógio, a profundidade do seu umbigo..
Aí começou a indagar sobre o seu interior.
Se conseguisse ver o seu interior, talvez viesse a descobrir um novo mundo e por certo que este monstruoso aborrecimento iria acabar, e a noite iria chegar mais depressa.
Mas tal feito não se cria concebível.
Fechava os olhos mas só via um fundo preto. Às vezes umas listas brancas, mas maioritariamente, tudo preto.
Fechar os olhos obviamente que não iria ajudar. Mas talvez com eles abertos..
Tentou espremer a face o mais perto que conseguia para perto da nuca, mas a única coisa que acontecia, era os seus olhos focarem o nariz, e por vezes conseguir ver um pouco a saliência das suas maçãs do rosto.
"Isto assim não está a resultar. E se abrir a boca?"
Não sendo belfo, seria complicado, mas tentou fazê-lo.
Pegando no lábio inferior, começou a puxá-lo para longe da sua cara, mais longe, mais longe, mais longe, até o fazer tão grande que cobriu a cara!
Olhando para baixo viu tudo escuro, tudo preto. Nem listas brancas havia.
"Deve ser isto a que chamam breu".

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