Hoje não é um bom dia
para escrever porque estou menstruada.
Nunca é um bom dia
para fazer qualquer coisa quando se está menstruada, sem ser ficar
no sofá a beber chá, fumar cigarros, ver televisão sem
importância, com gatos ao colo e casualmente uma barra ou duas de
chocolate.
Vê-se um filme. Tem-se
uma ideia arrebatadora e muito crítica em relação ao mesmo.
Vê-se em período
normal. Fica-se com uma ideia completamente diferente.
Lê-se um livro. A
mesma coisa.
Ouve-se uma música. A
história repete-se.
Termos que nos vestir é
um drama, porque tudo fica mal e a barriga está inchada.
O cabelo está uma
miséria e a cara transfigurada.
As dores só são
suportáveis depois de enchermos o corpo de drogas mas ainda assim há
sempre uma moínha chata que só amaina quando voltamos ao sofá.
A apatia é incrível,
a choradeira e a euforia também.
Não é um bom dia para
escrever, porque vou escrever sobre coisas que só hoje vou dar
importância, que só hoje sei que têm importância, que amanhã não
terão importância nenhuma.
Hoje não é um bom dia
para escrever porque estou com o tempo contado.
Nunca é um bom dia
para fazer qualquer coisa quando temos o tempo contado sem ser quando
temos o tempo contado para não fazer nenhum.
As pedras da calçada
fazem tremer o autocarro, os carris o eléctrico, e a maresia o
barco.
A caligrafia sai feia e
as linhas deixam de ser direitas. Passado uns dias se vou a ler o que
escrevi, custa-me o dobro a perceber o que lá está.
Se estás no café com
o tempo contado, aparece sempre alguém.
Se estás a trabalhar,
aparece sempre alguém.
Se vais à
casa-de-banho, o teu organismo conta o tempo por ti.
Não é um bom dia para
escrever, porque vou escrever sobre coisas rápidas, sobre ideias que
voam soltas na minha cabeça, atirá-las para dentro de uma lata para
mais tarde dar continuação. E aí já perdi o fio à meada.
Hoje não é um bom dia
para escrever porque fiquei sem tabaco.
Hoje não é um bom dia
para escrever porque morreu alguém que eu conhecia.
Hoje não é um bom dia
para escrever porque o dia me correu muito bem.
Hoje não é um bom dia
para escrever porque estou cansada.
Hoje não é um bom dia
para escrever porque está sol e vou-me perder a beber refrescos na
esplanada.
Hoje não é um bom dia
para escrever porque está a chover e vou-me irritar a cada gota que
cair perto da minha janela.
Hoje não é um bom dia
para escrever porque acabou o meu incenso.
Hoje não é um bom dia
para escrever porque não encontro o meu disco favorito.
Nunca é um bom dia
para escrever ou fazer qualquer coisa que não seja do nosso desejo
ou impulso directo com destino ao futuro.
A partir do momento em
que predestinamos que temos que escrever ou fazer qualquer coisa, é
impreterível a concentração, o juízo e a responsabilidade.
A partir do momento em
que o começamos a fazer é impossível voltar atrás.
A partir do momento em
que decidimos começar a escrever cria-se um vício no corpo.
Dá-se um mimo ao
escape e à forma de expressão mais intíma e temos que continuar a
tocar em todas as teclas do piano até a melodia estar completa.
Quando se deixa de
escrever, a mente começa a acumular palavras, letras e ruídos que
mais tarde ou mais cedo se desenvolvem numa avalanche de dores de
cabeça e confusão mental.
Por isso escrevam,
berrem, dancem, desenhem, ou não façam nada.
Um bom texto, um bom
berro, uma boa dança, um bom desenho a partir do momento em que o
corpo lhes sente o cheiro necessita de crescer e ser desenvolvido
dia-a-dia.
Liberta a mente do
stress rotineiro e desentope as artérias do pensamento.
É como um bom peido
depois de uma série de cólicas acumuladas.
Deitem tudo cá p'ra
fora.
Deixem fluir os vossos
gases em prol do vosso bem.
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