Hoje fui ao dentista de manhã.
A caminho do dentista, faltando ainda uns 5 minutos, resolvi sentar-me num banco no jardim do Príncipe Real e fumar um cigarro.
Sentei-me, enrolei-o, acendi-o e tirei o meu caderno e caneta da mala.
Comecei a escrever umas quantas parvoíces sobre o que via, o que não via, o que me lembrava, os cheiros e os sons.
Até que fui abordada por um homem, e parei de escrever.
Disse-me bom dia e perguntou se me podia declamar um poema que tinha escrito.
Chamava-se Hélder e tinha por volta de uns 50 anos.
Era um sem-abrigo e em vez de arrumar carros como os outros que rodeiam o jardim, vendia poemas. Explicou-me que pedia a amigos para os passar a computador e os imprimir numa casa de fotocópias ali no largo.
Pedia 2 euros por cada poema, e gostava de os declamar.
Declamou-me um primeiro, com muita emoção.
Explicou-o e declamou-me um segundo.
Comprei o primeiro, fui à consulta e prometi-lhe que a seguir ía ter com ele novamente.
Saí da consulta, procurei nos bancos do jardim e lá estava ele.
Quando me viu fez um sorriso inesperado.
"Voltaste!"
Sim, voltei, como tinha prometido.
Disse-me que era a primeira pessoa que lhe tinha comprado um poema fazia já algum tempo. As outras pessoas apenas passavam por ele e diziam que não estavam interessadas.
Já não conseguia declamar mais, estava frio e a voz dele já estava cansada.
Deu-me outro poema a ler, desta vez sobre um turista em Lisboa.
Mais uma vez me fascinou esta personagem com quem me havia cruzado numa Segunda-feira de manhã, perdida no meio do jardim do Príncipe Real entre a feira de antiguidades e o quiosque chique.
Uma antiguidade chique, o Hélder, um sem abrigo com um coração romântico.
Comprei-lhe mais um poema.
Este era sobre a Mona Lisa. Falámos imenso sobre ambos os poemas, ou melhor, falou ele. Eu estava com um sorriso parvo na cara a pensar na quantidade de pessoas bonitas e interessantes que há espalhadas pela cidade sem que nos consigamos aperceber disso.
Despedi-me dele e prometi-lhe que na minha próxima consulta o visitaria. Deixou o contacto no fim das folhas e disse-me que aceitava encomendas de poemas.
Este chama-se "Amoreiras", e segundo o Hélder, é um lembrete para todos os homens sobre a beleza das mulheres, a salvação do casamento e um mote para um crescimento na natalidade, pois já não se vêem grávidas e como chegámos à conclusão: "ou estão todas escondidas em casa durante a gestação, ou não as há".
Amoreiras
"Árvore frondosa
Teu nome evoca Amor
Frutos suculentos, boníssimos.
Das folhas, larvas produzem seda.
Fina, transparente.
Cobres escultural corpo
Contornos sinuosos, sugestivos, excitantes
Mamilos, salientes, intumescidos.
Dieta à base de Amora
Fizeram de ti, símbolo do Amor e Beleza.
Eva e a maçã, foi pecado
Tu mulher, da amora degustaste.
Saciaste desejo
Ignoravas poderoso efeito
Anatómico da Amora
Bela, sensual, sexy.
Homem algum se liberta, atracção exaurida
Força centrípeta, és a raínha.
Seda transparente, leve vaporosa, molda o corpo escultural
Activas testosterona, impossível resistir.
Depositas semente da vida
Ovário acolhedor
Nove meses de gestação
Depois
Dieta à base de Amora
De seda fina, transparente
Cobres teu níveo corpo escultural
Agora que és mãe
Estás na plenitude sexual
Amora põe-te mais quente
Emocional, sexualmente
És uma brasa
Poetas, escultores, pintores
Por ti foram inspirados
Enalteceram, enobreceram, dignificaram
Tua beleza
Comparada de Afrodite
Será que a dieta da Deusa do Amor
Era à base de Amoras?
Tu mulher
Réplica de Afrodite
Hoje estás boa, quente
Nos ovários incubarás
A semente do Homem."
Hélder Couto
Fevereiro 2013